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terça-feira, 5 de novembro de 2013

O que Religião tem a Ver com Moralidade?

Para muitos religiosos, a pergunta “O que religião tem a ver com moralidade?” teria uma resposta óbvia: “a religião é a base da moralidade e torna as pessoas moralmente melhores.” Entretanto, para muitos ateus, a resposta seria bem diferente, algo como: “a moralidade independe da religião e a religião torna as pessoas moralmente piores.” Podemos passar horas a fio construindo argumentos contra cada uma destas posições, mas, melhor do que isso talvez seja analisar o conhecimento empírico que temos sobre a relação entre ambas. Foi com esse intuito que Paul Bloom, professor na Universidade Yale, publicou recentemente uma revisão discutindo a evolução da religião e da moralidade e como estes dois fenômenos se relacionam. Trago abaixo uma breve discussão dos principais pontos discutidos por Bloom.
A aversão que as maiores religiões do mundo compartilham por aqueles que “não crêem,” frequentemente vistos como indivíduos sem moralidade, ilustra a importância central que usualmente se dá às crenças   religiosas para a moralidade. “Se um indivíduo não compartilha de determinadas crenças religiosas, ele deve possuir uma moralidade menos sólida do que a minha, que acredito”, reza a lenda. Por outro lado, o que um grande corpo de evidências tem demonstrado nos últimos anos é que se a religião tem alguma influência na moralidade das pessoas, esta influência não se deve às crenças religiosas, mas à outros aspectos menos aparentes das religiões, compartilhados por outros grupos sociais. Como muitas vezes as pesquisas na psicologia e nas ciências humanas indicam, mesmo intuições tão difundidas , como as que relacionam moralidade com crenças religiosas, podem se mostrar equivocadas a partir de um exame rigoroso.


Um posicionamento comum entre os pesquisadores da evolução da religião é que a religião seria um subproduto acidental, resultando da interação entre sistemas cognitivos que tiveram importância adaptativa para a compreensão do mundo. Entretanto, outro posicionamento na área é o de que as religiões surgiram para beneficiar os grupos na resolução do problema dos trapaceiros (aqueles que recebem ajuda, mas não querem ajudar). Aumentando a coesão e a cooperatividade do grupo por meio de rituais e da criação de laços sociais entre os membros, a religião pode ser vista como uma solução para o problema da falta de cooperação. Como veremos adiante, existem indícios que sustentam esta ênfase nos aspectos sociais da religião.
 Contudo, temos um problema para estudar o efeito da religião na moralidade: quase todos os povos que conhecemos tinham alguma espécie de religião em algum momento de sua história. O ideal seria estudar uma população que nunca foi influenciada por uma religião e analisar sua moralidade. Apesar deste problema, existem formas menos óbvias de testar esta influência. Uma ideia, por exemplo, é verificar se existem elementos básicos de moralidade em animais filogeneticamente próximos do ser humano ou se podemos identificar estes elementos em bebês com poucos meses de idade, ambos livres de crenças religiosas formais. De fato, diversos estudos já identificaram noções e tendências rudimentares de altruísmo, empatia e justiça em chimpanzés, bonobos e bebês com poucos meses de idade (sendo que bebês também demonstram capacidades rudimentares de julgamento moral). Os estudos indicam que ao menos uma parte da moralidade independe de religião.
Talvez, então, a religião tenha pelo menos um papel estimulante de alguns comportamentos relacionados á moralidade, como a generosidade e a gentileza. Alguns estudos indicam que, apesar de pessoas religiosas relatarem possuir uma maior propensão em agir gentilmente, elas não se demonstram de fato mais gentis na prática. Na sociologia, existem evidências de que em nações menos religiosas as pessoas se tratam melhor, apresentando menores índices de estupro e assassinato. Em contraste, outros dados indicam que estados mais religiosos gastam maiores quantias de dinheiro em caridade do que estados menos religiosos. Somados aos dados de natureza mais correlacional, diversos experimentos investigaram o efeito que a religião pode ter na moralidade. Muitos deles se baseiam em uma técnica experimental da psicologia cognitiva chamada de priming. O procedimento básico adotado nestas pesquisas é eliciar pensamentos relacionados à religião por diversos meios (e.g. imagens, palavras) e ver o efeito que esta acessibilidade cognitiva tem no comportamento.
Estes estudos têm indicado que expor os participantes de uma determinada maneira à palavras, imagens e histórias relacionados à religiões os tornam subsequentemente menos propensos a trapacear e mais propensos a agir generosamente. Um estudo, por exemplo, indicou que participantes adultos tinham uma menor tendência de trapacear quando eram informados de que existia um fantasma no laboratório. Porém também existem evidências de que estímulos relacionados meramente à presença de outras pessoas, como um pôster com olhos nele, por exemplo, ou relacionados à moralidade secular (palavras como “contrato”, “civil” e “polícia”), também afetam de maneira similar a conduta moral das pessoas. Portanto, como tanto estímulos relacionados à religiosidade quanto a outros aspectos sociais (e.g. presença de outros, civilidade) tem efeitos semelhantes no comportamento moral, não parece que a crenças sobrenaturais tenham um papel especialmente relevante aqui.
O que muitos autores tem argumentado é que os efeitos que a religião aparentemente tem na moralidade estão relacionados com seus aspectos sociais de comunidade, que são os mesmos envolvidos na dinâmica social de qualquer grupo, como uma liga de boliche. Participando de uma religião, as pessoas fazem parte de um grupo social que torna seus integrantes próximos, por meio de rituais compartilhados e do convívio regular. Por conta da proximidade, os indivíduos se tornam mais gentis e ligados uns com os outros, mas este favorecimento do próprio grupo também pode resultar em hostilidade contra membros de outros grupos – um fenômeno intergrupal que a antropologia já documenta há muitas décadas. Nesse sentido, existem evidências de que, se quisermos predizer a tendência a generosidade de pessoas religiosas ou o seu apoio a atentados suicidas, o fator realmente relevante é o seu nível de participação na sua comunidade religiosa, e não as suas crenças sobrenaturais particulares sobre a vida após a morte ou entidades divinas, por exemplo. Esta maneira de olhar para a religião, enfatizando seus aspectos sociais, da sentido aos efeitos aparentemente paradoxais que a religião pode ter – estimular coisas boas, como a generosidade, e coisas ruins, como o preconceito.
Aparentemente, as pessoas buscam nas crenças religiosas e nos livros sagrados maneiras de justificar, posteriormente, as suas condutas, mas estas condutas são influenciadas por fatores sociais e cognitivos que, muitas vezes, passam despercebidos pelas nossas consciências. A religião, assim como outros tipos de grupos sociais, pode ter influências na moralidade, mas uma das suas características mais centrais e popularmente enfatizadas – as crenças religiosas em si – não parece ter tanta influencia na moralidade das pessoas.
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Via: SocialMente

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